26.9.13

Somos todas Clandestinas


Dia desses ouvi um o julgamento pessoal de que a morte da genitora é preferível à do feto. Fiquei chocada, claro! Cada dia entendo menos essa sociedade em que vivemos, tão materialista e vivendo sempre em função do capital, do lucro.

Há relatos históricos de que, se uma indígena brasileira estivesse em situação de perigo ou iminência de guerras entre tribos, elas abortavam. Elas guerreiam junto com toda a tribo e em outro momento engravidam novamente. Me parece muito mais lógico.

O feto só é mais importante do que a genitora na nossa sociedade, cristã e capitalista, na qual as mulheres não tem direitos de escolha sobre seus próprios corpos e que o sistema prefere a mão-de-obra mais jovem do que a mais velha. Só para registro: Nós mulheres, não somos fábricas de operários para o Sistema e nem muito menos posse ou produto para que a sociedade escolha o que faremos com nossas vidas!

Ninguém tem o direito de achar ou não-achar nada quando o assunto é o corpo da outra pessoa. As mulheres são livres, sempre fizeram aborto e vão continuar fazendo queira a sociedade brasileira assumir isso ou não. A questão não é concordar ou não com o aborto, a questão é que todos os anos, centenas de mulheres morrem ao fazer aborto ilegal.

Qual a nossa posição sobre isso? As mulheres ricas vão às clínicas particulares e fica tudo bem. Mas e as pobres? Não é dever do Estado, à quem essa mulher pagou impostos a vida inteira, atendê-la no pior momento de sua vida?

De Livre à Clandestina, no intervalo de um ciclo menstrual, 28 dias e sua vida estará mudada para sempre... Alguém sabe o que é isso? Alguém sabe o que é ser ridicularizada publicamente APENAS porque escolheu fazer o que bem entender com o próprio corpo, sem se preocupar com o que diz a Sociedade? Só uma mulher sabe o tamanho da pressão que sofre, inclusive de outras mulheres.

O aborto, para muitas dessas meninas, algumas menores, pretas e pobres, não é escolha, é consequência. Consequência das pressões culturais, econômicas e sociais que são impostas diariamente às mulheres.

Para muitas de nós, a gravidez, pode não representar "uma bênção", "um presente", apesar da maravilha que é poder gerar um filho, em muitos casos essa gravidez vai representar muito mais sofrimento. Sem a menor intenção de estimular as mulheres ao aborto como método anti-concepcional, ao contrário do que se pensa, o aborto é algo que as mulheres NÃO QUEREM, mas que, mesmo assim, muitas vezes PRECISA ser feito. Não cabe à nós o julgamento sobre se deve ou ou não ser feito, elas tem feito independente do que você ou eu pensamos sobre isso e precisam ser atendidas pelo SUS, é uma questão de saúde pública, não podemos deixar que as mulheres continuem morrendo por tentar interromper uma gravidez indesejada.

Todos os dias, mulheres casadas vêem sair da boca de seus "maridos" que "não é o momento" de ter outro filho. Diariamente mulheres casadas são levadas ao aborto clandestino porque aquele que deveria ser seu "companheiro" é covarde e prefere que suas mulheres vão para a mão de açougueiros em clínicas clandestinas. Até quando?


Deixemos de hipocrisia. Nelson Rodrigues, que não gostava muito de feministas, disse certa vez que "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém". Entender essa moral pitoresca que impregna nossa sociedade é um desafio.

As mulheres que abortam são suas amigas, suas filhas, suas irmãs, namoradas, esposas e, pasmem, até suas mães. Essas mulheres têm se submetido à procedimentos caseiros, clandestinos. São nossas mulheres que estão morrendo...

O aborto, apesar de crime, é praticado em todas as camadas sociais, inclusive em comunidades religiosas. Mas quem é que não sabe disso, não é mesmo?!

Todos sabem. Muitos se omitem.

Enquanto isso as mulheres morrem.

Somos todas Clandestinas.
























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Mais informações:

Toda mulher em processo de abortamento, inseguro ou espontâneo, terá direito a acolhimento e tratamento com dignidade no Sistema Único de Saúde (SUS). É o que garante a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, criada pelo Ministério da Saúde em 2004. A iniciativa teve como base estatísticas que revelam as complicações decorrentes de abortos inseguros como a quarta causa de morte materna no País. 

O código penal brasileiro só permite a realização de abortos que tratam de riscos de morte para a mulher ou de gravidez resultante de estupro. A constituição federal também garante a saúde como um direito de todo cidadão. "Em respeito à constituição brasileira, a função do SUS é atender toda a população em situação de risco", conclui Regina Viola. "A elaboração da norma é uma das ações estratégicas do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna, lançado no passado, que contou com a adesão da sociedade civil e das secretarias de saúde", completa. 

Números - Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) metade das gestações é indesejada e uma a cada nove mulheres recorre ao aborto. No Brasil, os cálculos mostram que o índice de abortamento é de 31%. Ou seja, ocorrem aproximadamente 1,44 milhão de abortos espontâneos e inseguros com taxa de 3,7 para cada 100 mulheres. A gravidade da situação do abortamento também se reflete no SUS. Só em 2004, 243.988 mulheres foram internadas para fazer curetagem pós-aborto. 

Fonte: Portal do Ministério da Saúde do Governo Federal

















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História do Aborto

29/07/2010
A questão do aborto é muitas vezes consideradas uma questão moral, uma questão apenas da vida do feto, mas tem várias outras questões históricas, políticas e sociais que também precisam de atenção numa consideração do assunto. O aborto nem sempre era proibido como hoje em dia, na realidade o aborto era aceito nas sociedades antigas e pré - industriais no mundo inteiro, incluindo o mundo cristão. Também nas sociedades indígenas o aborto era conhecido e usado freqüentemente; num estudo de 400 sociedades "primitivas" só tinha uma que desconhecia o aborto, e até hoje o uso de ervas e comum na nossa sociedade. Nas sociedades humanas primitivas, as mulheres usavam esse conhecimento de ervas, tanto anticoncepcionais quanto abortivas para controlar o números de filhos que elas tinha. A mulher era livre e tinha poder econômico e político dentro do clã e geralmente controlava a agricultura e a medicina. Mas enquanto a prática de aborto era livre dentro das sociedades privativas, com o começo da sociedade privada e a formação do estado, as mulheres foram perdendo suas independência e seus controles sobre seus próprios corpos.


As atitudes sobre o aborto sempre tinha a ver com as condições econômicas do lugar, quando as mulheres tornaram "propriedades" dos seus maridos. O feto também foi tratado como propriedade. Pôr exemplo, na lei hebraica eles não falam de aborto provocado pela mulher, mas condenam o aborto provocado pela violência, não como uma morte, mas como "um dano econômico contra o marido da mulher". Do mesmo modo, tanto na Grécia quanto na Roma antiga, o feto era considerado parte do corpo da mulher, e então parte da propriedade do homem. Geralmente o aborto era permitido (com a permissão do marido) porque era necessário para o controle de natalidade; os pensadores Hipócrates, Sócrates e Platão apoiavam e até davam conselho sobre métodos. Mas em alguns lugares na Grécia eles proibiam o aborto, como pôr exemplo em Macedônia  porque queriam criar um maior números de atletas e guerrilheiros.

Assim os estados emergentes proibiam e permitiam o aborto dependendo das necessidades deles, usando os corpos das mulheres como instrumento de produção.

A crendice da época era que o feto recebia alma, ou foi "animado" depois de 60 dias, e que até esse ponto era aceitável fazer aborto. Os cristãos pegaram essa mesma ideia e ficaram com ela até 1588 quando algumas correntes da igreja começaram a dizer que todos os abortos eram crimes. Mas essa mudança de ideologia não apenas moral; durante essa época a igreja e o estado estavam uma guerra contra as mulheres pôr razões políticas e a posição contra o aborto, era apenas mais uma maneira de tirar o poder das mulheres. Alicia non Grata descreve as condições da época; "A maioria das pessoas tem ouvido falar das caças as bruxas, da inquisição e outros crimes terríveis cometidos em nome de "Deus", mas não fazem ideia de que a caça as bruxas dos séculos 14 e 17 não vinha de "um populacho louco", envenenamento de ergot ou comportamentos extremos levados pela superstição ou pelo medo, mas planos bem executados de extermínio com o objetivo de apagar o poder das mulheres e esmagar as revoltas dos camponeses... A caça as bruxas era uma campanha bem organizada, iniciada, financiada e executada pelo estado e pela igreja. As caças mais virulenta era associadas com períodos de motins sociais, agitação nas raízes do feudalismo, revolta de massa e conspirações camponeses (as), o começo do capitalismo. Também tem evidencia que em algumas áreas a pratica de "bruxaria" representava uma rebelião dirigida pelas mulheres. Nessa época as mulheres ainda tinha poder consideráveis, elas eram as médicas do povo, elas tinham o direito de fazer leis (na Inglaterra) e elas se encontravam em grupos para se discutir conhecimento das ervas, notícias e atividades políticas.

O Estado e a igreja entenderam que essa autonomia e poder eram controlar o povo.

Eles então criaram a desculpa de heresia e mataram milhares de mulheres (das cercas de 100.000 pessoas massacradas na caça as bruxas 85% delas eram mulheres).

Mas apesar de toda essa ideologia anti-mulher, a posição da igreja contra o aborto não se tornou oficial até 1869, quando o papa Pio IV declarou todos os abortos como assassinatos, e a igreja católica começou sua luta contra o aborto. A data 1869 coincide com o final e oficialização da revolução científica que era outro movimento querendo tirar conhecimento e poder das mãos das curandeiras e parteiras para concentrariam dentro do estabelecimento médico. Não é surpreendente que o estado se posicionou contra o aborto ao mesmo tempo que a igreja.

Nesse período o estabelecimento médico falava que proibir o aborto era necessário para "proteger" as mulheres, porque o aborto era procedimento perigoso...

Mas as razões eram reais eram todas políticas. A revolução industrial começou nos EUA e a Inglaterra estava iniciando a exploração da América Latina e precisavam de mais mão de obra. Nos EUA também o governo temia "suicídio da raça branca " pôr causa que a natalidade estava caindo e o presidente T. Roosevelt falou "temos que manter a pureza da raça, precisamos de mais nascimento de brancos nativos".

Outra razão importante para a proibição do aborto era que o capitalismo industrial crescente precisava de mulher para trabalhar em casa sem renda, ou com extrema baixa renda fora de casa e para produzir a próxima geração. Sem aborto legalizado foi difícil para as mulheres evitarem essas intenções.

Mas as leis contra o aborto não eliminariam a necessidade nem a prática do aborto e no começo do século vinte, alguns lugares começaram a permitir o aborto de novo, pôr causa dos protestos e da resistência das mulheres. Mas essa liberdade não durou muito tempo e pôr causa da grande perda de vidas durante a Primeira Guerra Mundial, a Europa ocidental voltou para a política natalística (contra o aborto), e nos proibindo anticoncepcionais e punindo o aborto com pena de morte.

Nos anos 60 e 70 muitos países europeus e "comunistas" conseguiram o direito ao aborto através de movimentos populares ou da necessidade daquele país Ter mulheres trabalhando fora de casa, mais a maioria dos países do mundo não dão esse direito; o direito ao aborto acessível e seguro, os fatos mostram que as mulheres fazem aborto, como sempre faziam, com ou sem legalização.

A posição contra o aborto mostra mais o fato de ser Ter controle sobre as mulheres do que um interesse na vida, todos os massacres, guerras, pena de morte e assassinatos cometidos pela policia não chamam tanta atenção quanto ao aborto.

Os anti-abortistas falam tanto de proteger a vida, mas não consideram as vidas de milhares de mulheres que morrem a cada ano com complicações na assistência ao aborto, elas sendo pessoas que realmente tem vidas já desenvolvidas vezes tem dependentes que podiam ser deixados órfãos (a grande maioria das mulheres que fazem abortos no Brasil já tem filhos). A pessoa que realmente tem um interesse na vida, também deve considerar as vidas dos menores abandonados, aqueles que não foram desejados ou vieram para mães sem condições de cuidar deles. Quem deseja uma vida de fome, frio e se sobreviver até adulto, de criminalidade. Provavelmente as mesmas que aplaudiram o massacre no Carandiru e que tem uma posição contra o aborto.

Não é melhor ter filhos só quando podemos lhes dar amor e alimentação? Obviamente, a questão da proibição do aborto não é a vida, como vemos na história do aborto, e sim uma questão política de controle sobre as mulheres das classes baixas. O estado usa alas como maquinas de reprodução dependendo de sua s necessidades; pois vemos que as mulheres ricas têm acesso ao aborto seguro (os ricos nunca são submetidos as mesmas repressões que os pobres sofrem). A legalização do aborto deve ser acompanhado com campanhas de informações sobre os anticoncepcionais, sendo esses distribuídos de graça, pois nosso objetivo não é aumentar o número de abortos que podem causar complicações e não necessariamente muito agradáveis para a mulher.

Texto extraído do zine PANDORA














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