17.1.12

Para quem ainda vier a me amar

Ah, essa inveja... Queria que eu tivesse escrito algo assim.

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Para quem ainda vier a me amar



Quero dizer que te amo só de amor. Sem idéias, palavras, pensamentos. Quero fazer que te amo só de amor. Com sentimentos, sentidos, emoções. Quero curtir que te amo só de amor. Olho no olho, cara a cara, corpo a corpo. Quero querer que te amo só de amor.

São sombras as palavras no papel. Claro-escuros projetados pelo amor, dos delírios e dos mistérios do prazer. Apenas sombras as palavras no papel.

Ser-não-ser refratados pelo amor no sexo e nos sonhos dos amantes. Fátuas sombras as palavras no papel.

Meu amor, te escrevo feito um poema de carne, sangue, nervos e sêmen. São versos que pulsam, gemem e fecundam. Meu poema se encanta feito o amor dos bichos livres às urgências dos cios e que jogam, brincam, cantam e dançam fazendo o amor como eu faço o poema.

Quero da vida as claras superfícies onde terminam e começam meus amores. Eu te sinto na pele, não no coração. Quero do amor as tenras superfícies onde a vida é lírica porque telúrica, onde sou épico porque ébrio e lúbrico. Quero genitais todas as nossas superfícies.

Não há limites para o prazer, meu grande amor, mas virá sempre antes, não depois da excitação. Meu grande amor, o infinito é um recomeço. Não há limites para se viver um grande amor. Mas só te amo porque me dás o gozo e não gozo mais porque te amo. Não há limites para o fim de um grande amor. 

Nossa nudez, juntos, não se completa nunca, mesmo quando se tornam quentes e congestionadas, úmidas e latejantes todas as mucosas. A nudez a dois não acontece nunca, porque nos vestimos um com o corpo do outro, para inventar deuses na solidão do nós. Por isso a nudez, no amor, não satisfaz nunca.

Porque eu te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.

O amor é tanto, não quanto. Amar é enquanto, portanto. Ponto.


Roberto Freire







2 comentários:

  1. Lembrei-me de uma título de uma poesia de Carlos Drummond que diz: "As cem razões do amor"

    Um abraço...

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    1. Adoro!
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      As Sem - Razões do Amor
      Carlos Drummond de Andrade

      "Eu te amo porque te amo.
      Não precisas ser amante,
      E nem sempre sabes sê-lo.
      Eu te amo porque te amo.
      Amor é estado de graça
      E com amor não se paga.

      Amor é dado de graça
      É semeado no vento,
      Na cachoeira, no eclipse.
      Amor foge a dicionários
      E a regulamentos vários.

      Eu te amo porque não amo
      Bastante ou demais a mim.
      Porque amor não se troca,
      Não se conjuga nem se ama.
      Porque amor é amor a nada,
      Feliz e forte em si mesmo.

      Amor é primo da morte,
      E da morte vencedor,
      Por mais que o matem (e matam)
      A cada instante de amor."

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