26.9.23

Meninas perdidas

 Brincar na rua até tarde, os pés sujos e o pescoço suado...

Tudo era parte da rotina diária. A melhor parte!

Quando a coragem e a curiosidade eram mais fortes que o medo, arriscávamos andar pelo bairro. Coisa mesmo de molecas, pirralhas soltas, correndo sem destino e às gargalhadas. Era o nosso normal.

A real era que os adultos nem ligavam e pouco se importavam se almoçamos ou se estávamos vestidas de forma adequada. Éramos livres, até mesmo do cuidado dos responsáveis.

Um dia nos perdemos. Era de se esperar. Andamos demais, eu acho e, como também era de se esperar, choramos como crianças que fomos e ainda somos. Sentamos nas raízes de uma enorme castanhola e ficamos catando os frutos espalhados pelo chão tentando enganar o medo e estancar o choro.

O caminho de casa parecia um mistério para as três pequenas. As caras tristes e os corpinhos já cansados pareciam desistir de esperar ajuda. Ninguém passava por ali e é bem provável que se um estranho nos abordasse correríamos sem parar. Era certo!

Perto de um mercado e a fome apertou. Pensamos em nossas mães e lamentamos que a noite já chegava. A moça do caixa veio até nós e perguntou o que havia de errado. Choramos de soluçar e ela disse que ligaria para a polícia que nos levaria pra casa. Sem combinar, por puro instinto de preservação infantil, corremos mais uma vez feito loucas, sem destino, como medo do mundo.

Quando finalmente paramos, sentadas no meio-fio com as pernas tremendo e as barrigas roncando, reconhecemos as escadarias que davam acesso a nossa escola. Como mágica, nossos pés nos levaram até lá e foi uma festa! Gritamos, nos abraçamos e choramos outra vez. Felizes em ter escapado de uma grande encrenca.

Daquele ponto em diante saberíamos voltar, mesmo à noite. Aliviadas, nos despedimos e entramos em nossas casas como se nada tivesse acontecido. O fato é que nossas mãe nem deram por nossa falta. De banho tomado e janta no buchinho, eu assistia TV descansando da aventura e fortes emoções. Até que o telefone tocou.

Era a moça do mercado contando tudo para mamãe.


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